As declarações recentes do âncora da TV Bandeirantes, Boris Casoy, em que, em plena saudação de final de ano, acabou por humilhar os lixeiros de S. Paulo, segundo ele, ocupantes do último lugar na escala social, e a mais recente do Cônsul Geral do Haiti, em S. Paulo, George Samuel Antoine, não são simples atos falhos como pretenderam ambos, ao se apressarem a pedidos de desculpas - tão rápidas quanto esfarrapadas.
Casoy e Antoine expressaram o pensamento de boa parte da elite patrimonialista brasileira, que se mantém profundamente preconceituosa e racista contra os que não tem sua origem social, nem o mesmo pertencimento étnico.
É esse horror fortemente enraizado nas instituições brasileiras – inclusive nas instituições do Estado e não apenas nas privadas – que explica o abismo de desigualdade social com que o país pretende, paradoxalmente, se transformar na quinta economia do mundo nos próximos anos.
É o pensamento padrão de Casoy e do destrambelhado cônsul do Haiti, que vem se reproduzindo ao longo dos séculos e que explica o racismo institucional praticado por empresas e pelo Estado, responsável pela naturalização das diferenças de natureza étnico-racial.
Quando apanhadas em flagrante essas tristes figuras esboçam desculpas tão fajutas quanto constrangidas e que seriam dignas de pena, não soubéssemos todos que não há inocência nos gestos, mas pura esperteza e instinto de sobrevivência.
Senão vejamos:
1 – o que pode explicar que um dos jornalistas mais bem informados e prestigiados do país, que se notabilizou por uma espécie de udenismo fora do tempo e de lugar, sempre pronto a fulminar com o bordão “isso é uma vergonha!” os escândalos do mundo da política, a desancar humildes trabalhadores lixeiros que apenas, saudavam os seus telespectadores pelo Ano Novo?
Alguém dirá que foi descuido, que o mesmo não sabia que os microfones ainda estavam ligados, que Casoy pediu desculpas de pronto, etc, etc, etc. A pergunta é: em que, e o que isso muda?
A verdade é que Casoy expressou o que, de fato, pensa; o desprezo, o pouco caso com trabalhadores responsáveis pela limpeza da sujeira da cidade, inclusive da sua própria. Houve um tempo em que a pobreza no Brasil ainda era portadora de uma certa dignidade, as pessoas se orgulhavam até de afirmarem a condição de pobres, porém honestas. Esse tempo, desafortunadamente, porém, faz parte de um passado distante, soterrado pela tendência à banalizaçao de valores e a superficialidade nessa era triste dos "big brothers".
2 – o que pode levar a segunda principal autoridade diplomática de um país, devastado pelo que a ONU considerou a maior tragédia de toda a sua história, e sob o impacto da morte de 100 a 200 mil pessoas – segundo as estimativas mais confiáveis dos organismos de ajuda humanitária – a dizer, com todas as letras, que "a desgraça de lá está sendo uma boa prá gente aqui, ficar conhecido" e que "o africano em si tem maldição, acho que de tanto mexer com macumba" e que "todo lugar que tem africano lá tá f... (fodido), fazendo coro à perseguição contra as religiões de matriz africana e apologia à intolerância religiosa.
O que mais pode explicar uma atitude, digna do desprezo de qualquer pessoa que não tenha perdido completamente a sensibilidade e a capacidade de indignação humanas, senão o conceito – e não apenas o preconceito – profundamente arraigado no coração e na mente desse pobre diabo, que seria digno de pena e piedade, se também não soubéssemos que não há inocência no seu gesto e atitudes?
O mais patético foi o argumento com que o não menos patético cônsul – tal qual o âncora da Band – pretendeu desculpar-se, alegando que se atrapalhava com o português idioma que ainda não domina, apesar de estar no Brasil há 35 anos.
Na entrevista, o desastrado cônsul, que é, nada mais nada menos do que o Presidente da Associação dos Cônsules do Brasil, recorreu ao velho recurso tão bem conhecido nosso: o de que, imagine, como poderia ser racista se um dos seus avós, que já foi, inclusive, Presidente da República do seu país, era negro? Africano, acrescentou.
Acaso não é esta a desculpa preferida de onze em cada dez racistas brasileiros quando apanhados? A de que: "imagine, como posso ser acusado de semelhante crime se tenho um tio, um sobrinho, o amigo mais querido, a namorada, a mãe da noiva, negras?”
Para além da patetice tosca, do preconceito escancarado de Casoy contra pobres – sejam ou não negros, índios e ou japoneses – e de Antoine contra negros, em especial – sejam pobres ou não – chama a atenção a débil - para não dizer, quase nenhuma - reação de lideranças negras e anti-racistas brasileiras diante das aberrações praticadas por ambos à luz do dia e a céu aberto transmitidas para milhões de pessoas no Brasil.
A pergunta que não quer calar é: quando vamos continuar admitindo que autoridades que ocupam importantes postos diplomáticos – não importa de que país sejam –, como Antoine, e formadores de opinião como Casoy, usem concessões públicas como o rádio e a tv para promover o desprezo, o escárnio e a humilhação da maioria da população brasileira, que é pobre e negra?
São Paulo, 18/1/2010
Dojival Vieira
Jornalista Responsável
Registro MtB: 12.884 - Proc. DRT 37.685/81
Email: dojivalvieira@hotmail.com; abcsemracismo@hotmail.com
Fala Negão,
ResponderExcluirO blog tá muito bacana mesmo, agora só falta postar seus textos. Tenho certeza que a galera vai gostar bastante.
Há braços,
Elias.